A harmonização das regras prudenciais para instituições de pagamento

Por Eduardo Grell

Uma consulta pública editada pelo Banco Central, em novembro de 2020, vinha desde então sendo refinada, até que, em 11 de março de 2022, obteve a licença definitiva para sair de casa. Tratava-se da Consulta 78/2020, finalmente instituída na forma de meia dúzia de resoluções BCB, numeradas de 197 até 202, que promovem a harmonização das regras prudenciais das instituições de pagamentos (IPs) e das instituições financeiras (IFs) a partir de janeiro de 2023.

Há motivos para a longa gestação. Elas definem o contorno do campo de batalha em que diferentes instituições prestarão serviços de pagamento. Assim, não podiam estar mais em dia com as discussões sobre como será a prestação de serviços bancários, como será estimulada a competição no sistema financeiro e como o ciclo de investimentos em tecnologia financeira evoluirá.

O conceito apresentado na consulta foi mantido em sua essência, excetuando-se a proposta de que os conglomerados encabeçados por bancos passem a usar a mesma metodologia de cálculo de capital aplicada para suas atividades de pagamento que as IPs. Esse assunto restou pendente e ainda depende de manifestação do Conselho Monetário Nacional.

 

Para simplificar a discussão, é preciso identificar as mudanças principais que permeiam a nova regulação. Tudo se inicia com a classificação dos conglomerados prudenciais em:

– Tipo 1: conglomerado encabeçado por uma IF contendo IPs;

– Tipo 2: tanto conglomerado contendo IPs, mas não IFs, quanto IPs autônomas;

 

– Tipo 3: conglomerado encabeçado por uma IP contendo IFs.

Nas novas regras, as atividades de natureza bancária de conglomerados do Tipo 3, ou seja, aqueles encabeçados por IPs, passam a seguir a regulação prudencial condizente com aquela já aplicada aos bancos. Com isso, a alocação de capital por conta dos outros riscos será equiparada entre os dois grupos.

 

As atividades de pagamento dentro das estruturas do Tipo 2 e do Tipo 3 continuarão a exigir a alocação de capital em função dos volumes de transações e dos saldos médios para suas atividades típicas de:

– emissão de moeda eletrônica;

– iniciação de transação de pagamento;

– emissão de instrumento de pagamento pós-pago;

– credenciamento de instrumentos de pagamento.

A harmonização imporá também aos conglomerados do Tipo 2 uma definição mais conservadora de capital disponível, aproximando-os nesse sentido do conceito usado pelas instituições financeiras. Por apresentarem estruturas descomplicadas, porém, terão tratamento mais simples para o cálculo de suas exposições a risco de crédito ou de descasamento de moedas.

Por fim, haverá também regras de transição suavizando o impacto do ajuste, especialmente para conglomerados do Tipo 2, cujas empresas precisarão fazer o maior esforço relativo de adequação à nova regulamentação. Como elas apresentam menor risco sistêmico que os outros dois tipos, protege-se ainda o nascimento de novas tecnologias sem perder de vista a segurança do sistema financeiro.

Deste modo, as IPs passarão a necessitar de mais capital para o mesmo nível de atividade. Além disso, os recursos próprios usados para alavancar investimentos em tecnologia, espelhados contabilmente no ativo intangível, serão expurgados do cálculo do capital disponível.

Isso afeta o ciclo de desenvolvimento de novos produtos na medida em que as injeções de capital precisam ser maiores, mais frequentes e parte dos recursos devem ser segregados, não podendo ser usados para esse fim.

As boas ideias sempre acharão financiamento, mas o retorno dos investidores a cada rodada será menor e as empresas estarão sob maior pressão para se consolidar financeiramente o mais rápido possível.

Sendo assim, a existência de uma regulação prudencial mais rigorosa e abrangente é um dos grandes avanços institucionais desde as crises bancárias globais que começaram em 2008. Por mais difíceis que tenham sido tais crises, a capacidade de contê-las foi resultado das atividades conjuntas de autoridades monetárias, reguladores e supervisores.

Só que todo esse arcabouço está estruturado desta forma exatamente porque o sistema financeiro combina uma série de características que o expõe a potenciais crises: trabalha alavancado, capta recursos da poupança popular, toma dinheiro por prazo mais curto que empresta, tem os depósitos garantidos por instituição regulada, tem acesso a emprestadores de última instância etc.

No caso específico de muitas instituições do mercado – dentre elas as IPs puras – no entanto, os principais motivos citados acima para regras conservadoras de requerimento de capital não se aplicam. Não há alavancagem, não há acesso a proteção usando recursos nem do povo, nem mesmo do sistema financeiro. A natureza do risco que essas instituições trazem à sociedade é outra. Talvez daqui a alguns anos a discussão seja sobre desarmonização.

Eduardo Grell é responsável pela Gestão de Riscos na The Sharp Fintech. O executivo é especialista no sistema financeiro, com mais de 25 anos de experiência na gestão de risco de crédito, operacional, mercado, liquidez e socioambiental, no Brasil e no exterior.

Link da publicação original:

https://administradores.com.br/artigos/a-harmoniza%C3%A7%C3%A3o-das-regras-prudenciais-para-institui%C3%A7%C3%B5es-de-pagamento

 

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