Por: Luciano Fantin
Atenção subcredenciadores – Consulta pública 104/24 de 2/9/24
Recentemente, o Banco Central do Brasil (BCB) lançou consulta pública, que visa alterar aspectos relevantes da Resolução BCB 150 de 2021, cujo prazo final para contribuições é 30/11/24.
A referida Resolução é a peça normativa central dos arranjos de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), e a guia-mestre dos instituidores de arranjos de pagamento (IAP), que são as bandeiras, e dos participantes desses arranjos.
Essa consulta pública traz um esboço normativo que, se aprovado, irá aprimorar as estruturas de gerenciamento centralizado de riscos nos arranjos de pagamento integrantes do SPB. O que se pode perceber, é que os parâmetros e determinações tornam-se bem mais prescritivos que os da norma vigente. O conteúdo é extenso, e apresentamos neste artigo apenas alguns dos itens.
Segundo o BCB, os objetivos da nova regulação são:
- Conferir maior proteção aos recursos devidos ao usuário final recebedor;
- Dar maior transparência às regras para esses usuários e aos participantes dos arranjos;
- Mitigar o risco de tratamento discriminatório entre os participantes.
Se você é um IAP, ou um participante de um arranjo de pagamento atuando como instituição financeira ou instituição de pagamento (nas modalidades de credenciador, emissor de instrumento pós, emissor de moeda eletrônica), ou mesmo subcredenciador, esse artigo é para você, e é relevante.
Mecanismos de gestão de riscos de inadimplência e falha operacional
A proposta contida na consulta pública 104/24 traz definições precisas sobre mecanismos de gestão de riscos, para serem acionados tanto em casos de inadimplências quanto em falhas operacionais de participantes devedores nos arranjos. Esses mecanismos são os seguintes, listados em ordem de execução (ou seja, qual deve ser acionado primeiro e qual depois):
1. Garantias individuais do participante ao IAP;
2. Contribuições individuais do participante a fundo mutualizado;
3. Contribuições do IAP a fundo mutualizado;
4. Contribuições dos demais participantes a fundo mutualizado.
Há também a definição do fundo de garantia do IAP, com recursos dele mesmo, para acionamento em situação extrema.
O IAP deve prever no regulamento a recomposição das garantias individuais, do fundo mutualizado e do seu próprio fundo de garantia, no caso de utilização desses recursos, com prazo não superior a 30 dias.
É importante notar que as garantias individuais e as contribuições dos participantes ao fundo mutualizado serão estabelecidas pelo IAP separadamente, para cada um de seus arranjos de pagamento integrantes do SPB, e toda sua operacionalização também deve ser segregada por arranjo (podem, porém, compartilhar o modelo de cálculo).
As regras dos arranjos devem vedar a exigência de garantias entre participantes exceto no caso de credenciadores x subcredenciadores. O IAP pode atribuir a um credenciador autorizado pelo BCB a responsabilidade pelo gerenciamento de riscos das transações capturadas pelo subcredenciador.
Além disso, o BCB define que esses recursos garantidores devem ser líquidos e disponíveis (“recursos líquidos qualificados”), de seguinte natureza:
- Em moeda nacional, com liquidez imediata em bancos ou instituição de pagamento;
- Investimentos próprios, conversíveis prontamente em caixa, com risco de mercado insignificante, e livres de impedimentos;
- Garantias prontamente conversíveis em caixa, com risco de mercado insignificante e livres de impedimentos;
- Linhas de crédito de liquidez, não canceláveis unilateralmente, e livres de impedimentos;
- Parcela do fundo mutualizado acima descrito, com risco de mercado insignificante e livres de impedimentos.
Os IAPs são instados agora, de maneira explícita, a estabelecer procedimentos e definir requerimentos aos participantes no que se refere ao cumprimento dos mecanismos de gestão de riscos citados acima, para mitigar eventos de inadimplência e de falha operacional.
Outros aspectos agora detalhados envolvem a gestão do atendimento prestado ao usuário, incluindo mediação de conflito, o monitoramento de transações atípicas ou incompatíveis com a natureza, faturamento ou renda do usuário final recebedor (prevenção a fraudes e golpes), e os mecanismos de contestação e disputa de transações de pagamento de todas as modalidades.
O BCB prevê ainda a obrigatoriedade de realização de testes operacionais de utilização de mecanismos de gestão de riscos, que deverão ser feitos periodicamente pelo IAP com participação dos participantes e da Núclea (ex-CIP). Esses testes devem ser documentados e os resultados deixados à disposição do BCB por 5 anos.
PLD-FTP
A consulta pública reforça as exigências sobre o IAP no sentido de criar ferramentas robustas para prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (PLD-FTP).
Nesse sentido, o IAP deve passar a fazer uma Avaliação Interna de Risco (AIR) para mensurar o risco de utilização de seus produtos e serviços para PLD-FTP, considerando no mínimo os perfis de risco:
- Dos participantes
- Do IAP
- Das operações
- Das transações
- Dos produtos
- Dos serviços
Essa AIR deve:
- Abranger todos os canais de distribuição, novas tecnologias, atividades exercidas por funcionários, parceiros e terceirizados;
- Levar em conta a probabilidade e o impacto (financeiro, jurídico, reputacional, socioambiental);
- Categorizar os riscos (controle reforçados x simplificados, a depender da situação);
- Considerar avaliações realizadas por entidades públicas do país relativas a PLD-FTP;
- Sofrer revisão a cada 2 anos ou quando houve mudanças significativas no perfil de risco;
- Ser documentada e aprovada pelo diretor de PLD-FTP.
O IAP deve passar a fazer uma avaliação de efetividade das políticas, procedimentos e controles do arranjo de pagamento, referentes a PLD-FTP e elaborar relatório anual com data-base 31 de dezembro. Um diretor responsável por PLD-FTP deverá ser também nomeado e registrado junto ao BCB, como já é o caso em relação à estrutura contínua e integrada de riscos.
No caso do detalhamento dos riscos incorridos pelo arranjo de pagamento, o BCB passou agora a listar explicitamente o risco de participantes do arranjo serem utilizados para a realização de crimes de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa.
A liquidação centralizada dos subcredenciadores
Segundo a nova norma proposta, a participação na liquidação centralizada dos subcredenciadores no papel de recebedores continua sendo obrigatória.
A importante novidade é que a participação na liquidação centralizada dos subcredenciadores no papel de pagadores passa a ser obrigatória se o valor acumulado das transações de pagamento nos últimos 12 meses for superior a R$ 500 MM, porém de maneira escalonada no tempo, com base em volumetria cadente:
- A partir de 1/1/25: R$ 300 MM
- A partir de 1/1/26: R$ 100 MM
- A partir de 1/1/27 para todos os subcredenciadores
Como pudemos ver, há importantes novas regras que afetarão os IAPs, as instituições financeiras e as instituições de pagamento, participantes de arranjos integrante do SPB, assim como também instituições não autorizadas, como os subcredenciadores.
O IAP deverá em até 180 dias após a entrada em vigor da nova Resolução, protocolizar no BCB pedido de autorização para alteração das regras do regulamento do arranjo de pagamento, conforme novos termos da nova Resolução.
Nunca é demais lembrar: As alterações nos regulamentos afetarão todos os participantes.