eFX: A evolução do câmbio digital no Brasil

Por Manoel Jordão

OeFX (eletronic Foreign eXchange) representa uma das inovações mais significativas do Banco Central do Brasil (BC) nos últimos anos. Trata-se de um serviço de pagamento ou transferência internacional que permite operações de câmbio por meio de plataformas digitais, democratizando o acesso ao mercado cambial. Para compreender sua importância, é essencial entender sua trajetória regulatória e as razões que motivam as mudanças propostas atualmente.

As Intenções Originais: 2021 e a Modernização do Câmbio

Quando o Banco Central lançou o eFX em 2021, a intenção era clara: modernizar um mercado de câmbio que permanecia relativamente fechado e burocrático.

Os cinco pilares que sustentaram essa criação foram:

1. Transparência: Permitir que qualquer pessoa ou empresa consultasse taxas e condições de câmbio em tempo real, eliminando assimetrias de informação que historicamente beneficiavam apenas grandes players.

2. Agilidade: Reduzir prazos e custos operacionais nas transações internacionais, tornando o processo menos moroso que os canais tradicionais.

3. Inclusão: Ampliar o acesso de pequenas e médias empresas, profissionais autônomos e cidadãos comuns ao mercado de câmbio, que antes era praticamente restrito a bancos e grandes corporações.

4. Tecnologia: Incentivar a adoção de soluções digitais inovadoras, atraindo fintechs e startups para o segmento de câmbio.

5. Engajamento: Criar um canal de feedback permanente entre o BC e o mercado, permitindo ajustes regulatórios baseados em experiências práticas.

Essa visão alinhava-se com a agenda de modernização do sistema financeiro nacional e com as melhores práticas internacionais de regulação de câmbio.

A Consolidação Regulatória: 2022-2023

Em dezembro de 2022, o BC publicou a Resolução 277, que regulamentou a Lei 14.286/2021 e formalizou o conceito de eFX. Essa resolução estabeleceu as diretrizes operacionais, definindo quem poderia prestar o serviço, sob quais condições e com quais limitações. Com a Res. 277, dezenas de normas anteriores — algumas em vigor há mais de 30 anos — foram substituídas. A nova regulamentação transferiu responsabilidades aos bancos e instituições autorizadas a operar câmbio, ao mesmo tempo em que reduziu a burocracia operacional.

Conforme a Res. 277, as instituições devem assegurar que as operações de câmbio tenham fundamento econômico legítimo, ou seja, que estejam lastreadas em transações reais e lícitas. Isso implica avaliar a natureza e a finalidade da operação, mesmo quando há maior liberdade contratual entre as partes. Adicionalmente, devem assegurar a plena identificação das partes envolvidas, exigindo que as instituições identifiquem adequadamente os clientes e demais envolvidos nas operações, em linha com as normas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLD/FT). Tal identificação deve ser suficiente para garantir a rastreabilidade e a segurança das transações.

O papel dos bancos e demais instituições como gatekeepers do sistema financeiro, mesmo em um ambiente de maior liberdade operacional, foi reforçado quanto à razoabilidade e diligência. Segundo a Res. 277, as instituições devem adotar critérios de razoabilidade e diligência na análise das operações, especialmente quanto à compatibilidade entre os valores envolvidos, o perfil do cliente e a natureza da transação.

Posteriormente, em agosto de 2023, a Resolução 337 alterou a Resolução 277, introduzindo ajustes nos procedimentos relacionados ao eFX. Essas modificações buscavam maior eficiência e segurança nas transações, respondendo aos primeiros anos de operação do serviço e aos aprendizados acumulados.

Mas houve abusos por parte de organizações criminosas e outros deliquentes, detectados pela supervisão do BC. Fragilidades nos controles na condução de operações cambiais em bancos e instituições possibilitaram movimentações de vulto e com diversos indícios de irregularidades, ilícitos financeiros teriam sido cometidos, inclusive lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. O BC tomou providências, instaurando processos administrativos, exigindo providências e firmando termos de ajustamento de conduta (TAC). Em outra frente, está alterando o arcabouço regulatório aplicável.

O Contexto de Endurecimento Regulatório para Fintechs

Contudo, as mudanças ora propostas para o eFX não ocorrem isoladamente. Elas fazem parte de um movimento mais amplo do Banco Central em reforçar o arcabouço regulatório para fintechs e instituições de pagamento, face a eventos de fraude amplamente divulgados pela imprensa. Entre 2024 e 2025, o BC implementou ou propôs:

Redução do prazo para habilitação de instituições não autorizadas: o BC endureceu os critérios de entrada de novas instituições no sistema financeiro nacional (SFN), exigindo certificação técnica prévia e reduzindo prazos de habilitação.

Governança e comprovação de capacidade técnico-operacional para PSTI: esses provedores de serviços, que intermediam o acesso ao SFN, deverão ter capital mínimo de R$ 15 milhões, contar com diretores responsáveis por (1) segurança cibernética, (2) riscos e compliance, (3) gestão de crises operacionais, todos com formação acadêmica e experiência técnica comprovada;

Consulta obrigatória à situação de CPF/CNPJ: as instituições devem verificar a situação cadastral de clientes em bases públicas e privadas antes de realizar transações, especialmente em casos de suspeita de fraude, buscando impedir que contas fraudulentas recebam recursos.

Rejeição de pagamentos para contas suspeitas: o BC determinou que bancos e instituições rejeitem transferências para contas com “fundada suspeita de envolvimento em fraude”, independentemente do meio de pagamento.

Limitações de transações: Em setembro de 2025, o BC limitou transferências via Pix e TED a R$ 15 mil para instituições de pagamento não autorizadas e aquelas que se conectam ao sistema financeiro por meio de Prestadores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI).

Transparência de denominação: Em abril de 2025, o BC propôs regras mais rigorosas para fintechs que utilizam termos bancários em seus nomes, evitando confusão com instituições tradicionais.

Esse endurecimento reflete a preocupação do BC em equilibrar inovação com segurança sistêmica, especialmente diante de casos de fraude e lavagem de dinheiro envolvendo fintechs.  Fazem parte de uma resposta coordenada a operações como Concierge, Carbono Oculto e Quasar, que revelaram esquemas bilionários de lavagem de dinheiro e uso de contas laranja.

As Principais Modificações em Pauta: Consulta Pública 124/2025

Prosseguindo com o endurecimento regulatório, em setembro de 2025 o BC abriu a Consulta Pública 124/2025, propondo cinco alterações significativas à Resolução 277:

1. Exclusividade de Prestação: O eFX passaria a ser oferecido apenas por instituições autorizadas a funcionar pelo BC. Prestadores não autorizados teriam prazo para solicitar credenciamento como instituição de pagamento. Essa mudança elimina a possibilidade de operadores não regulados atuarem no segmento.

2. Comunicação Prévia e Reporte Mensal: As instituições autorizadas deverão informar previamente sua intenção de prestar eFX e reportar mensalmente ao BC informações detalhadas sobre transações e movimentações em reais. Isso aumenta a visibilidade regulatória.

3. Contas de Depósito Exclusivas: Os valores em reais deveriam ser recebidos e entregues ao usuário exclusivamente por meio de conta de depósito de titularidade do prestador, destinada unicamente ao eFX. Essa segregação reduz riscos da utilização de artimanhas como mesclar fundos de origem lícita com ilícita, para fins de lavagem de dinheiro, ocultando a origem criminosa (commingling de fundos).

4. Ampliação de Finalidades: O eFX passaria a viabilizar transferências relacionadas a investimentos no mercado financeiro e de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, limitadas a US$ 10 mil por operação. Essa expansão reconhece a demanda por serviços cambiais para investimentos.

5. Obrigatoriedade do Valor Efetivo Total (VET): Seria exigida a apresentação do VET em todas as transferências, informando o custo total para o cliente da operação de câmbio em reais por unidade de moeda estrangeira. Essa medida garante transparência máxima.

Análise Estratégica das Mudanças

Essas modificações refletem uma evolução natural: do estímulo à inovação (2021) para a supervisão prudencial (2025). O BC reconhece que o eFX cumpriu seu papel de democratizar o câmbio, mas agora precisa ser integrado ao arcabouço regulatório mais rigoroso que o BC está implementando para todo o segmento de fintechs.

A exigência de autorização prévia, reporte mensal e contas exclusivas não visa desestimular o eFX, mas sim garantir que operadores tenham solidez financeira e conformidade regulatória. A ampliação para investimentos reconhece a sofisticação crescente do mercado. Além disso, o VET obrigatório alinha-se às tendências internacionais de proteção ao consumidor.

A consulta pública foi encerrada no início de novembro de 2025 e recebeu dezenas de comentários e sugestões.

Como podemos ajudar

Por mais de 10 anos, o time da TSFC tem apoiado clientes na elaboração e apresentação de planos de negócios e estudos de viabilidade econômico-financeira para autorizações junto ao BC, tanto para atuar como instituição regulada quanto para realizar operações de câmbio.

Assessoramos também na implementação operacional dos processos e prestamos serviço de mentoria, possibilitando aos clientes contarem com um time de consultores especializados nos diversos aspectos da regulação bancária CMN/BCB, com mais de 2 décadas de experiência em bancos nacionais e estrangeiros, certificados em fintechs.

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