Por Luciano Fantin em 25/7/25
Um passeio com a máquina do tempo
Estamos em 30 de novembro de 1959. Brasília ainda não havia sido inaugurada, o que só ocorreria cinco meses depois. O então presidente Juscelino Kubitschek provavelmente lidava com os preparativos para esse marco nacional. Mas, enquanto isso, o Sistema Financeiro seguia seu curso. Naquela data, o Ministro da Fazenda interino, Sebastião Paes de Almeida, assinava a Portaria nº 309, regulamentando as sociedades de crédito, financiamento e investimento (SCFIs), já previstas pelos Decretos-Lei nº 7.583/45 e nº 9.603/46.
Dessa maneira, após 66 anos, já não era sem tempo de termos um pouco de atualização na regulamentação desse nicho tão relevante de instituições financeiras, que é o das “financeiras”, ainda mais em um cenário tão profícuo de mudanças e modernização ao qual temos assistido, em especial nos últimos 12 anos.
O poder das SCFIs
Essa necessária atualização acaba de ocorrer, em 24 de julho de 2025, por meio da Resolução do Conselho Monetário Nacional de número 5.237, que consolidou as normas sobre a constituição, a organização e o funcionamento das SCFIs.
Elas vêm crescendo em quantidade e relevância. Nos últimos 10 anos, aumentaram cerca de 32% e hoje já somam 71 instituições.
As financeiras cumprem um papel importante em nossa economia. Elas oferecem empréstimos e financiamentos para aquisição de bens, serviços ou capital de giro. Muitas estão ligadas a grupos comerciais ou industriais, como lojas e montadoras, atuando no financiamento de seus próprios produtos.
Essas instituições também atendem nichos específicos não cobertos pelos grandes bancos, como financiamentos de maior risco ou convênios com estabelecimentos.
Após a Consulta Pública 101, de 2024, o Banco Central ajustou alguns itens, acatando sugestões do mercado, tais como permissão para atuar como credenciador, e a possibilidade de participação no capital social de outras sociedades.
A SCFI é um poderoso veículo legal, com muitas alternativas para um excelente negócio, atendendo de maneira bem completa seus clientes, em especial por conta dos seguintes aspectos:
- Grande e variada capacidade de captação (funding);
- Alternativas relevantes para colocação de ativos em empréstimos e financiamentos;
- Possibilidade de atuação em todos os serviços de pagamento, incluindo emissão de moeda eletrônica, emissão de cartões de crédito, credenciamento e iniciação de transações de pagamento;
- Pode oferecer eFX;
- Pode oferecer câmbio.
Naturalmente, que tudo isso vem atrelado com uma série de desafios e riscos que devem ser bem sobrepesados por aqueles que pretendem entrar no ramo, como a gestão de ativos e passivos (ALM), risco de crédito, de liquidez, operacional, social, ambiental e climático, assim como toda a conformidade regulatória inerente aos mercados e produtos com os quais for operar.
Até então, as SCFIs já podiam operar no mercado de câmbio (mediante autorização específica), assim como ofertar eFX e prestar todos os serviços de pagamento acima listados, exceto o credenciamento. Dessa maneira, a Res. CMN 5.237/25 não está trazendo muitas novidades nesse sentido, porém organizando e consolidando uma série de normas esparsas e antigas, o que por si só é muito positivo e traz mais clareza e disciplina aos atores atuais assim como aos potenciais novos entrantes.
Uma visão resumida da nova norma (entrará em vigor em 1/9/25)
O objeto social das SCFIs consiste em (i) conceder empréstimos e financiamentos, (ii) adquirir, ceder, refinanciar e administrar direitos creditórios e (iii) prestar garantias.
Elas podem participar do capital social de outras sociedades e em sua denominação deve constar a expressão “Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento”. Inclusive, até a entrada em vigor da nova norma, eventuais descumprimentos na denominação deverão ser resolvidos.
Seu capital mínimo e Patrimônio Líquido devem ser no mínimo de R$ 7 milhões, mas lembrando que as SCFIs estão sujeitas às regras de Basileia, o que quer dizer que seu patrimônio mínimo requerido está ligado ao montante de seus ativos ponderados pelo risco.
Há uma grande gama de instrumentos de captação previstos na regulamentação, além do seu capital próprio, via emissão de:
- certificados de depósitos bancários;
- letras de crédito do agronegócio;
- letras de crédito imobiliário;
- letras imobiliárias garantidas;
- letras financeiras;
- letras de câmbio;
- cédulas de crédito imobiliário;
- certificados de cédulas de crédito bancário;
- recibos de depósitos bancários;
- certificados de operações estruturadas;
- instrumentos de captação de recursos no exterior.
Além disso podem obter:
- depósitos interfinanceiros;
- depósitos a prazo com garantia especial;
- repasses, empréstimos e financiamentos.
No que se refere a seus produtos e serviços, a SCFI pode:
- comprar e vender títulos, por conta própria;
- comprar e vender valores mobiliários, por conta própria, em operações realizadas em mercados organizados de bolsa e balcão;
- operar em mercados de balcão não organizado, observada a regulamentação editada pela CVM;
- administrar carteiras de valores mobiliários, observada a regulamentação editada pela CVM;
- emitir moeda eletrônica;
- emitir instrumento de pagamento pós-pago;
- atuar como iniciadora de transação de pagamento;
- atuar como credenciador;
- operar no mercado de câmbio
- prestar serviço de correspondente no país;
- realizar a análise de direitos creditórios para terceiros;
- realizar a cobrança de direitos creditórios para terceiros
- atuar como agente fiduciário;
- atuar como representante de seguros na distribuição de seguro relacionado com as operações mencionadas no seu objeto social, nos termos da regulamentação do Conselho Nacional de Seguros Privados;
- aplicar as disponibilidades em depósitos interfinanceiros;
- contratar operações compromissadas.
As diferentes opções para os investidores
Em nossa consultoria, a The Sharp Fintech, atendemos muitos “novos entrantes” no mercado financeiro, que procuram sobretudo entender qual seria o veículo legal mais apropriado para seu negócio, em termos de “fit” estratégico e possibilidades operacionais. Alguns exemplos de alternativas:
As Instituições de Pagamento (IPs) são veículos muito interessantes, uma vez que prestam uma gama bastante variada de serviços de pagamento, inclusive podendo correr risco de crédito (não confundir com “poder conceder empréstimos e financiamentos”), operar em câmbio e oferecer eFX.
As Sociedades de Crédito Direto (SCDs), por sua vez, podem oferecer tudo aquilo que as IPs oferecem (exceto credenciamento), e também conceder empréstimos e financiamentos, contudo, com uma importante amarra regulatória, que é a impossibilidade de alavancar (o que acaba gerando custos maiores e certa complexidade, quando optam por estruturas com FIDCs), além de estarem circunscritas às plataformas eletrônicas.
Nesse contexto, as SCFIs, apesar de uma maior exigência de capital e maior complexidade na gestão, são comparativamente muito mais potentes no que se refere a uma operação completa e livre de amarras na alavancagem, assemelhando-se a bancos.
O Brasil oferece hoje um arcabouço normativo sólido e moderno, que favorece tanto empreendedores nacionais quanto estrangeiros. A escolha entre, por exemplo, SCFI, SCD ou IP deve considerar o modelo de negócio, apetite por alavancagem, complexidade operacional e objetivos estratégicos. A recém-publicada Resolução nº 5.237 do CMN reforça esse ambiente de segurança jurídica, modernização e incentivo à inovação, contribuindo para o fortalecimento do sistema financeiro nacional — assim como já fez o Pix, reconhecido mundialmente como um exemplo de sucesso regulatório e tecnológico.